Daremos aqui prosseguimento à coluna Uma Opinião, que sempre trará uma opinião pessoal sobre alguma personalidade ligada ao automobilismo, seja piloto, dirigente ou jornalista; ou sobre algum historiador, cujo viés infelizmente ainda foi pouco explorado e pouco alvo de discussão aqui no blog. A coluna "Uma opinião" estará no blog ou nas quartas, ou nas quintas, sempre alternando um artigo meu, Ridson de Araújo, ou de Jobson Mendes, grande colaborador do blog.
Um piloto que gera polêmica
Rubens Barrichello, que no presente momento corre na Brawn GP, dono do recorde de piloto com mais GPs disputados, é sem dúvida um dos pilotos mais geram polêmica do atual grid da F1, o que mais gera polêmica dos pilotos brasileiros que já disputaram a F1,e olha que consideramos os campeões brasileiros da categoria polêmicos. De onde surge tanta polêmica sobre Barrichello? Vamos reconstruir os passos deste piloto para entender o "efeito Barrichello" no torcedor que acompanha F1.
Um talento que promete
Rubens teve uma carreira pré-F1
fantástica; conquistou praticamente todos os títulos das categorias de base em que esteve, exceto o da F-3000, em que foi 3º lugar (à época, a categoria, junto com a F-3 inglesa, eram as principais categorias de acesso à F1 pelo nível de competitividade.
Um início que poderia ter sido em 1992, com a real possibilidade de pilotar um Benetton, algo que não se concretizou. Uma rusga com Briatore e uma oportunidade mais concreta com Eddie Jordan em 1993 o ingressaram na categoria; o ingresso foi difícil, com um carro até razoável mas bastante falível. No fim, muitas quebras e muitas frustrações, e 2 pontos marcados.
E uma corrida inesquecível, terminada a 3 voltas do fim, no Gp da Europa em Donington Park. Barrichello e Senna fizeram, juntos, a melhor 1ª volta de todos os tempos, sendo Rubens a largar do 12º para o 4º lugar, passar uma Williams imbatível de Hill e brigar até o fim com Prost, e ter um fim agonizante numa pane eletrônica.
Quem tiver dúvida, veja:
Um Senna que parte, e um peso que se inicia
Ayrton, um homem que construíu metade do mito que (ainda) é, morre numa curva em Ímola. Um Barrichello, menino, que na corrida anterior chegara pela primeira vez no pódio, no Gp do Pacífico, passa muito rápido em uma chicane e quase morre. Parada cardíaca, quebra de braço, desespero do tricampeão, seguido de um sábado negro que foi muito recentemente relembrado (aliás, o fim de semana inteiro). Aqui, podemos ver um excelente post de Daniel Medici, no Cadernos do Automobilismo, sobre o sábado, em que Ratzemberger morre - há uma continuação lá). Um fim de semana que marca tanto a F1, como a Rubens Barrichello. Um peso que se inicia paira nos ombros de um jovem piloto de 22 anos, que perdera seu grande exemplo nas pistas exatamente pouco depois de ter se emocionado com sua visita no hospital e de uma crescente aproximação e amizade. E que revela muito do caráter do piloto: a vontade de provar para seu país seu valor, a necessidade de se sentir útil, de ser um herói. E sua maior armadilha.
Barrichello segue 1994 tentando provar isso para todos, e angariando simpatizantes, que colocam todo o peso de milhões de fãs órfãos de um ídolo ou de simplesmente alguém para quem torcer; e de outros milhões de fãs órfãos de um ídolo, e dispostas a rejeitar qualquer um que quisesse suprir esse espaço. Controvérsias à parte, Rubens dá a entender que quis mesmo tomar o lugar de Senna entre discursos mais pensados de que sabia que era mais um desejo que uma promessa, e mesmo que com toda a boa vontade possível, soou mal para muitos dispostos a descarregar suas frustrações em um sujeito ainda despreparado para tanto.
Desencontros e más-escolhas
Se o carro para 1994 ainda permitia sonhar, 1995 estava lá para dar uma rasteira após outra, mesmo com um inédito 2º lugar no
Gp do Canadá, vencido por um Jean Alesi. Um pódio até improvável num fim de tarde. 1996 ainda mais, e o martírio do
Gp do Brasil só ficava pior. Mas sempre levando vantagem sobre os companheiros de equipe (e sempre tendo certos privilégios de Jordan, que o considerava um trunfo).
1997, uma virada nos planos da carreira de Rubens, que o levou a assinar um contrato com Jackie Stewart, tricampeão mundial de F1 e desejoso de ser vitorioso também no posto de dono de equipe. Rubens sobre apenas uma vez ao pódio, em um inesquecível
Gp de Mônaco. O carro é ruim e as quebras são constantes. 1998 é o retrato da inconstância, com boas e más corridas, e bons e péssimos resultados. E o descontentamento com Rubens na imprensa, na boca do povo e nas brincadeiras (que já tiveram alguma graça) do Casseta e Planeta. O protótipo do "pé-de-chinelo" só cresce, e Rubens não soube como lidar com isso. Não soube ignorar, nem jogar junto com as críticas: sofreu, não faltaram críticas, desculpas desnecessárias, mais escárnios e veio 1999.
Um ano cheio de disputas mágicas, com a com um
Schumacher na chuva, bons resultados, e superando um Johnny Herbert em quase todas as corridas, inclusive na pontuação do campeonato. Mas, em um
Gp da Europa, disputado em Nurburgring, Herbert por uma boa escolha na estratégia e
improváveis acontecimentos, fizeram com que o vencedor fosse justamente ocompanheiro de Rubens. E tome provocações. Mas com tantos bons rendimentos, somados a um inconstante e irritadiço Ed Irvine, que não conseguiu ser campeão neste ano, mesmo com toda a inconstância da Maclaren de Mika Hakkinen, geraram a ida de Barrichello para a Ferrari, ignorando a possibilidade de um contrato com a MacLaren. Um contrato milionário, com rigorosas condições e uma estranha condição de 2º piloto. Será que na MacLaren teria sido diferente?
Um Schumacher no meio do caminho
Entre 2000 e 2005, 9 vitórias, inúmeros pódiums, 2ºs lugares, dobradinhas com Schumacher. E muitas dores de cabeça. A condição de 2º piloto fez com que Barrichello estivesse fora de condições de disputar de igual para igual com o alemão. O que Rubens insinuava ficou claro depois da Áustria-2002, gerando um debate que se alastra até hoje, em uma desnecessária atitude da cúpula (Todt- Brawn- Montezemolo) em trocar as posições, e que foi acatada por Schumacher (e que até hoje ele se recusa a comentar), repetindo um feito (menos polêmico) no ano anterior. A mácula da troca de posições inferiu na cabeça de muitos torcedores, com ou sem o autocompromisso de se indagar sobre os bastidores de uma equipe ou do jogo político de uma grande equipe como a Ferrari e um grande campeão de valor comercial como Schumacher, atribuiu a atitude à subserviência, à covardia, ao desprezo. Muitos dos que gostavam do piloto passaram a detestá-lo. Outros, que o adoravam, passaram a defendê-lo quase que cegamente. Muitos poucos realmente se indagaram para além disto, e ainda mais, tendo um Galvão Bueno a tentar proteger seu novo mito (este só serviu para atrapalhá-lo ainda mais, em seus brados de esperança "seca-pimenteira") o caso o acompanhou até a saída da equipe, em 2005, com novas polêmicas, como a da redução de giros em Indianápolis nesse ano(e da contra-ordem feita pela equipe e novamente acatada pelo alemão de deixar Rubens vencer no tradicional circuito estadunidense no ano de 2002).
Mas não foram somente momentos de tristeza, de resignação. Duas vitórias em Monza, uma na Hungria, uma em
Silverstone 2003, uma em Suzuka 2003-possibilitando o hexa de Schumacher sobre Raikkonen, a de Hockenhein 2000 (
http://www.youtube.com/watch?v=nhhNgc1uAOc&feature=related (primeira vitória), uma em Nurburgring-2002, a controversa Indianápolis 2002 e a última, em Shanghai, 2004; dois vice-campeonatos (2002-2004) e um enriquecimento absurdo. Mas nenhuma real disputa de título. Não com Schumacher como companheiro.
Uma agonizante estadia na Honda e o renascimento na Brawn
Com Jenson Button como companheiro, e com o ressurgimento da Honda na categoria, e a promessa de títulos e prestígio, pelo enorme capital japonês, Rubens Barrichello chegou cheio de marra. E não conseguiu se adaptar aos novos compostos, às novas formas de guiar. Perdeu feio no primeiro ano para um motivado Button.
2007 foi o pior dos anos, num terrível carro. Nenhum ponto, em um carro agonizante e a pergunta de prós e contras: era necessário Barrichello na categoria ainda?
2008, um carro menos ruim e uma aula de pilotagem de Rubens, devolvendo o chocolate que tomou de Button em 2006; levou o péssimo carro à pontuação de 13, ao pódio em
Silverstone, em um desempenho igualmente incrível em um carro de chuva ao seu próprio, em 1993; superando um companheiro desmotivado, certo, mas pilotando convincentemente, levando ao Q3 milagrosamente um carro que não tinha condições de estar lá.
Contudo, isso não foi suficiente para que Barrichello vencesse o duelo com Button pela vaga na equipe em 2009. Praticamente deixado de lado, Barrichello renasceu quando Ross Brawn fez o management-buy-out da falida equipe Honda. E o carro parecia fantástico na pré-temporada. E o reinício veio como uma fênix...
Um ano irregular
Após uma largada péssima na Austrália, seguida de uma recuperação e sorte para fazer a primeira dobradinha com Button, Barrichello foi acumulando resultados irregulares. Só veio superar o companheiro em largadas na terceira corrida, na China. Em resultados, até agora, só superou o companheiro no Gp da Inglaterra, o 8º GP. Com atuais 44 pontos contra 70 do líder, não venceu em 2009, e o companheiro 6 vezes.
Novas polêmicas :
-
Gp da Espanha. Uma troca antecipada e uma melhor estratégia deram a Rubens um 2º lugar amargo, apesar de ter liderado boa parte da prova após uma espetacular largada. A briga gerou um remake do fantasma do 2º piloto, negado veementemente pelo piloto. Confiram aqui no blog esse post que fiz à época sobre o tal gp.
- Uma
disputa de posições contra um pesado Piquet Jr rendeu justos sarros; afinal, Barrichello não tinha do que reclamar, apenas mostrando um desespero (compreensível, mas não justificável) por estar preso atrás de um carro pesado...desespero comum nessa temporada.
- Os erros da equipe fizeram com que Barrichello, no Gp da Alemanha, viesse da disputa do 1º lugar ao 6º posto, sendo a 5ª posição perdida no fim pel companheiro em uma troca de pneus e abastecimento...o que gerou mais críticas, pelas muito fortes declarações de Barrichello, causando mal-estar na equipe e esporros públicos de um lado, amenizadas não-tão-simpáticas de outro lado, por diversas personalidades no mundo automobilístico. E é claro, mais declarações de apoio e repúdio, e mais teorias de conspiração alimentadas por Galvão Bueno.
Neste outro post aqui, falo sobre diversas razões pelas quais Rubens teve dificuldade na presente temporada:
http://historiasevelocidade.blogspot.com/2009/05/uma-analise-do-fenomeno-de-2009.htmlComparo Button a Barrichello, e tento entender, baseado em outras opiniões de outros blogs, o porque de Rubens não conseguir um bom rendimento, como estilo de pilotagem aliado ao projeto do carro; preparo físico e fase; hoje acrescentaria, dado o mal rendimento da Brawn nos dois carros ao problema crônico de aquecimento dos pneus em temperaturas, fato que deixou a Brawn para trás, impedindo que Barrichello tenha um bom rendimento até em chuva.
O fato é que Barrichello enfrenta uma temporada que pode ser a sua última, e não vem tendo um bom desempenho como em anos anteriores; aliás, muito se questiona sobre sua capacidade de correr em alto nível por 17 temporadas, e ainda mais se este ainda quiser correr por mais outras.
Rubens já teve anos melhores: 1994; 1999; 2002; 2008. Nestes anos, sobretudo em 2002, Rubens teve um desempenho digno de disputar o título estando em uma equipe que trabalhasse para isso e que tivesse um carro à altura. Claro, bater um Schumacher seria uma tarefa que talvez Rubens não conseguisse cumprir, mas teria sido uma boa disputa, de qualquer forma. Esta talvez tenha sido a única chance real de Barrichello lutar por um título, e justamente em uma hora como essa, o piloto já não demonstra o mesmo nível de pilotagem necessário. 2009 vai sendo um canto de cisne Barrichello, e dificilmente ele terá um carro à altura para inverter o quadro, diferente do começo do ano.
Enfim, a opinião: sentimentos diversos de um indivíduo que cresceu torcendo por Barrichello
Rubens gera sentimentos diversos: ódio; frustração; esperança; comoção.
Em mim, isso não é diferente. Desde criança, comecei a acompanhar a F1, mesmo sem entender muito do que se passava, decorando os nomes dos pilotos sem saber por onde corriam, e a sonhar brincando com carrinhos. Senna, eu e Rubens sempre vencíamos as corridas no fim...
Assistindo as corridas, vendo as piadas atá maldosas e exageradas dos parentes, torcia pelo que nunca vinha... uma vitória. Os pódios eram minimizados e a minha torcida era mais uma birra contra todos que eram órfãos de tempos gloriosos, de uma F1 emocionante e romantizada.
E grande a emoção com sua primeira vitória. Umas lágrimas da época ainda me arrepiam ao ver os vídeos, tanto quanto as vitórias de Senna e Piquet, que passei a acompanhar pelo Youtube. E as outras, as 9. E os desesperos pela quebra em um Gp do Brasil praticamente ganho, por uma pane seca decorrente de um erro no painel de combustível. E uma raiva de uma equipe que não precisava ter jogado nomes de prestígio no lixo por um campeonato ganho quase na metade.
Uma promessa de novos resultados. Ver outros pilotos brasileiros chegando e indo embora, enquanto Rubens estava lá. E a defesa incondicional deu lugar à torcida contida; e a torcida contida deu lugar às poucas alegrias, e a um gosto mais apurado pelo esporte em si, independente de quem fosse correr. E um desejo grande de que o único elo de minha infãncia na F1 não se perdesse no vácuo do esquecimento e da aposentadoria forçada.
Do triunfo por um pódio em Silverstone. De ver Massa correndo por uma vitória e ver um herói do passado disputando um 8º lugar e chegar a preferir notícias do segundo, e não do agora em voga. Nada contra Massa, que até torço por boas disputas, por sua recuperação e por suas vitórias, mas Massa não me empolga; Massa não estava em minhas lembranças da infância: a culpa não é dele.
De ver Rubens se erguer como uma fênix e sentir como se fosse um triunfo pessoal- contido, mas pessoal. De ver um canto de cisne se desenhando e desejando muito por uma última vitória, por um último momento de triunfo, de um último "tema da vitória" com a voz irritante de Galvão Bueno gritando Rubens Barrichello...
Rubens Barrichello é um marco de uma F1 que mudou muito em pouco tempo. 17 temporadas. É um piloto que alterna desempenhos acima da média com desastres monumentais. Sorte e azar, opostos que se atraem.
Seu valioso conhecimento de acertos, seu ouvido aguçado e sua forma superdidática de explicar mecânica para insiders e não-insiders nos programas de TV, primordiais para uma equipe de F1 se contrastam com sua língua-armadilha, com sua falta de tato em certos momentos, com seu espírito de equipe volátil.
Seu gênio difícil que se contrasta com sua maneira carinhosa de tratar amigos e fãs. Seu incrível talento em arrumar confusão se contrasta com seu talento em arranjar grandes amigos. Seu conformismo fora de hora que se contrasta com seu inconformismo também fora de hora. Seu caráter formidável que se contrasta com sua capacidade de por tudo a perder com poucas palavras mau empregadas, criadoras de uma imagem de Dom Quixote que se faz de vítima...
Rubens Barrichello não conseguiu corresponder às expectativas criadas por muitos enquanto estava nas categorias de base, nem às expectativas que ele mesmo criou ao dirigir com talento entre 1993 e 1994 e principalmente quando se arriscou a querer retirar muitos de um luto autoinflamável pela morte de um grande piloto. Uma tarefa de Hércules que um rapaz paulistano de nariz grande, de língua grande e desengonçado, mesmo talentoso, nunca iria cumprir.
Parece que tudo é maior quando se trata de Rubens. Uma dicotomia sem fim. É o unico no grid atualmente a conseguir atrair com força igual opiniões completamente conflitantes. Ficou provado, nos últimos meses, que o estigma de "piloto desvalorizado em sua própria terra" não é bem assim: de fato, mais respeitado lá do que cá, mas em diversos lugares as pessoas já se cansaram do seu jeito presunçoso e de suas críticas fora-de-tom. Deveria assumir mais os erros, em vez de culpabilizar a todos. Assim, sem dúvida, o estigma faria sentido, pois aqui ainda existiriam "Cassetas" e outros torcedores descabidos que lhe fariam o calvário sem se perguntar como se guia um carro de F1.
Potentor de uma família invejável, de muitos recursos financeiros, de um talento considerável para dirigir. Ninguém chega na F1 sem ter talento para isso. Ser um campeão depende de inúmeros fatores, incluindo sorte, talento, dedicação e hoje, mais do que nunca, equipamento de qualidade para isso. Se Rubens pertence a um tempo em que F1 era algo a mais que isso, que o piloto fazia diferença em carros ruins (em seu começo de carreira), passou a pertencer a uma F1 pragmática e fleumática, burocrata. E Rubens é um filho de seu tempo, não está alheio a isso. É paixão desmedida de muitos que o tornaram mais do que é, e a mania de descontar frustrações outras em sujeitos caricatos que o desenharam menor do que muitas vezes demonstrou ser.
Só resta uma coisa a dizer neste imenso post, necessário para tao polêmica figura: o desejo que Rubens se aposente da F1 no melhor estilo possível. Se isto nao for possível, ninguém gasta energia à toa. Ela sempre se renova em outras formas de energia.